quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

ROBERTO ROSSELINI

(Roma, 8 de Maio de 1906 – Roma, 3 de Junho de 1977)

Nascido numa família rica, interessou-se pelo cinema por influência do avô, proprietário de uma cada de espectáculos.

Durante o fascismo ingressou na indústria cinematográfica italiana como assistente de direcção. Trabalhou como supervisor de alguns filmes, entre eles L’Invasore e Benito Mussolini. Mas o seu grande momento veio no final da segunda Guerra Mundial quando produziu Roma, città aperta (1945) e Germania anno zero (1947), tornando-se um dos principais expoentes do neo-realismo do cinema italiano.

Aos 57 anos, o cineasta tomou a decisão de deixar o cinema e dedicar-se a experimentar as possibilidades educativas da televisão. Queria configurar uma ampla enciclopédia televisiva como ferramenta educacional a partir da imagem.

Rosselini anunciou as suas intenções num evento organizado pela revista Filmcritica, numa livraria em Roma. O seu comunicado pode considerar-se como o ponto de partida de uma interessante investigação metodológica que repensa alguns fundamentos da linguagem cinematográfica tradicional.

Na sua opinião a crise que se atravessava naquele momento não era apenas a crise cinematográfica mas também a crise cultural. O cinema, como meio de difusão, teve o mérito de tornar aquela crise palpável e torná-la evidente. Assim, Rosselini decidiu retirar-se da profissão, repensar tudo desde o inicio e recomeçar novamente, a partir de bases completamente novas.

Quando a cultura de imagem foi completamente desenvolvida, Rosselini questiona as suas próprias raízes e abriu caminho para um interessante reflexão sobre a natureza ontológica do cinema, onde questionava o porquê do cinema articular os seus esforços em relação ao espectáculo e não ao conhecimento humano.

O cinema tinha entrado num periodo de crise com base na crise cultural e toda esta crise era consequência da crise da arte. Rosselini considerava a arte como a expressão mais elevada de uma civilização, o factor que permitia aproximar-se com mais exactidão do Homem e do mundo. Assim, baseando-se em Leon Battista Alberti, que procurava uma relação clara entre a arte e a ciência, Rosselini reivindicou uma utilização racional da arte.

O cineasta acreditava que o cinema estava destinado a tornar-se a arte do nosso século. Por muitos anos a função do cinema tinha sido actuar como instrumento publicitário e veiculo de divulgação social numa sociedade de consumo.

Ainda no comunicado feito na livraria de Roma, Rosselini afirmou que nenhum filme ou obra literária levanta as questões que preocupam de maneira concreta a nova humanidade, razão pela qual não se conseguiu encontrar um novo sentido dramático.

Trinta anos após a saída do cineasta do cinema, a sua teoria ganha uma importância incomum uma vez que questiona os mecanismos que regem a cultura da imagem e serve de alternativa à poluição visual que nos invade. Rosselini, com as suas obras didácticas (9 produções televisivas e 2 cinematográficas) e os seus textos teóricos, sugere um retorno à inocência.

A câmara cinematográfica deve observar as coisas do mundo real tal como uma criança observa a realidade do seu ambiente. Por exemplo, quando uma criança olha para um objecto tem implicita a pergunta sobre o porquê das coisas, ou seja, tem a preocupação de conhecer. O cinema foi criado também como instrumento para conhecer/compreender o mundo.

Para Rosselini, mostrar significava reconstruir o tempo necessário dos acontecimentos para descobrir a sua verdadeira razão. O filme convertia-se, desta forma, numa extensão do olho, um convite para além da realidade material exterior. Por outras palavras, o cineastra mostrava, não demonstrava. Este facto e a sua concepção da realidade como uma união entre a realidade exterior e a realidade dentro de uma natureza espiritual, provocou criticas de alguns sectores que viram os seus filmes como uma traição às bases do neo-realismo e como forma de escapismo.

Após ter recebido ataques fortes e não ser compreendido pela critica italiana, Rosselini aplicou a sua teoria da visão no seu projecto cinematográfico. A finalidade dos seus trabalhos era informar a partir de novas abordagens do olhar. O seu objectivo era encontra o que é denomidado como “imagem essencial”. Uma imagem que contenha todos os elementos informativos básicos para a compreensão do tempo (histórico ou contemporâneo) visto sempre no presente. Na rodagem do filme India (1958) esta ideia está bastante presente e Rosselini afirma que a ideia é mais importante que as imagens. Assim, o cinema devia ser um veículo para comunicar ideias e as imagens deveriam pôr-se ao serviço desta, e nunca da estética.

A sua reflexão sobre o poder das imagens como meio de transmitir ideias levou-o a abandonar qualquer posição estética e abriu um campo de pesquisa no sentido de uma concepção radical da imagem como ferramente de informação. No cinema didáctico de Rosselini, o conhecimento não é um objecto, mas um processo, é necessário restaurar todos os seus significados. O caminho marcado por esse processo e conhecer a tensão real com a ilusão do saber, são os dois factores que permitem que o cinema didáctico de Rosselini avance.

As reflexões que o cineasta fez sobre o valor informativo das imagens coincidiu com o momento em que a televisão de impulsionou massivamente em Itália. Este meio de comunicação apareceu no país em 1953 e em 1963 já se tinha imposto em cinco milhões de famílias. Rosselini acreditava que o dever moral de uma televisão estatal era a promoção da cultura e da educação. Assim, a televisão foi o meio ideal para o cineasta desenvolver a sua teoria da aprendizagem, pois permitiu uma maior flexibilidade nos planos de produção e teve um maior impacto sobre o público do cinema.

O método de trabalho de Rosselini foi sempre muito prático: alguns dias de filmagens, pouca montagem e um controle detalhado dos custos desnecessários. A sua grande preocupação era a preparação do produto e esta representava um enorme esforço de documentação bibliográfica. A narração dos seus filmes partiu sempre da destruição de todo o sistema tradicional de dramaturgia; as personagens e os acontecimentos históricos serviam para elaborar um texto feito à medida da realidade; a narração ajustava-se ao fluxo desta realidade. A vida era vista como uma longa espera por uma revelação – um acontecimento importante para um ser humano ou divino – que mudou o destino das personagens. Mas a revelação só podia ser produzida com a mesma intensidade que ocorrem os pequenos acontecimentos que marcam a longa espera da vida quotidiana.

Durante as filmagens, o elemento-chave foi a encenação. A câmara foi usada como um microscópio que tinha que procurar a verdade oculta no interior das personagens. O trabalho da câmara era bastante funcional, servindo os elementos de informação envolvidos na encenação. Para compreender a realidade, sem qualquer forma de manipulação da montagem, inventou um sistema de zoom denominado pancinor. Rosselini acreditava na existência de um ritmo natural de cada cena e opôs-se a qualquer sistema de manipulação a partir da montagem. Os actores que trabalhavam nos seus filmes não eram profissionais e foram escolhidos pelo seu aspecto físico, factor que o cineasta considerava básico para definir a psicologia das suas personagens. Um dos seus colaboradores considerava-lo uma reformulação dos padrões tradicionais de produção.

Tanto os numerosos escritos teóricos como todas as suas películas didácticas têm implicita uma interessante reflexão sobre os perigos de adulteração da imagem actual. Os principais aspectos desta reflexão são, de certo modo, a previsão do disturbio que vivemos no nosso presente audiovisual. Roberto Rosselini foi assim um grande contributo no mundo cinematográfico.

MICHELANGELO ANTONIONI

(Ferrara, 29 de Setembro de 1912 – Roma, 30 de Julho de 2007)

Antonioni nasceu em 1912, no seio de uma família burguesa em Ferrara, no Norte de Itália. Estudou Economia e Comércio na Universidade de Bologna e em 1940 foi para Roma, onde ingressou no Centro Sperimentale di Cinematografia. Colaborou com a revista "Cinèma", considerada uma publicação de resistência ao regime fascista.

O primeiro grande sucesso de Antonioni foi L’avventura (1960), que foi seguido por La notte (1961) e L’eclisse (1962), que compreendem uma trilogia sobre o tema da alienação, sendo que o primeiro marca o inicio do cinema introspectivo. O seu primeiro filme colorido Il deserto rosso (1964) também explora temas modernistas da alienação e, junto com os três filmes anteriores, forma uma tetralogia. O seu primeiro filme em inglês, Blowup (1966), também foi um grande sucesso.

Em contraste com os seus contemporâneos, inlcuindo os neo-realistas, cujas histórias geralmente tratavam a vida da classe trabalhadora e a rejeição e incompreensão da sociedade, os filmes mais notáveis de Antonioni mostravam a elite e a burguesia urbana.

Os seus filmes descrevem as personagens ricas como pessoas vazias e sem alma, dissecando-as de forma cruel com uma reprovação do fundo marxista, mesmo enquanto a sua câmara mostra uma certa fascinação pelas belas coisas da classe rica. Os seus filmes tendem, ainda, a ter muito poucos planos e diálogos, e muito tempo é gasto em longas e lentas sequências, como muitas cenas em La notte que mostram uma mulher a vaguear silenciosamente pela cidade a observar as pessoas. Apesar de serem repletos de beleza visual e de terem uma captação perfeita da alienação das personagens, o estilo com pouco movimento e de ritmo lento, pode tornar-se cansativo para algumas pessoas.

Antonioni, de entre um grande número de filmes, realizou Il mistero di Oberwald (1981)

para a televisão italiana e posteriormente transferido para película cinematográfica.

Á primeira vista trata-se de um filme interessado apenas em imagens e sons, uma conversa de um director de cinema endereçada a outro director de cinema, o resultado de uma certa deformação profissional do realizador. Estas impressões vêm do primeiro contacto com a textura da imagem – marcada pela preocupação de se servir do colorido (aplicado livremente sobre as personagens e os cenários) como elemento expressivo – e do primeiro contacto com as acções registadas nas imagens.

A história contada neste filme discute as relações entre o artista (um poeta que se associa a um grupo anarquista para matar a rainha) e o poder (uma rainha que se esconde desde a morte do marido e deixa o reino nas mãos dos aristocratas e nobres da corte). O que o filme nos conta é a história de um artista que não se quer limitar a observar, transformar, transmitir e aparar os excessos: o poeta decide agir.

Assim, em O mistério de Oberwald, Antonioni discute a condição do artista, o poeta, mas elabora a discussão de tal maneira – da construção teatral da cena ao colorido artificial da fotografia – que as linhas de composição aparecem com mais força do que a história contada através delas: a forma torna-se o verdadeiro assunto e a verdadeira acção do filme.

Pode ver-se, nos momentos iniciais do filme, pequenas imagens do interior do castelo com o aparecimento de trovões no lado exterior do mesmo. Mostrando, assim, que Oberwald parece compartilhar do desejo muito humilde e não diluído da televisão para entreter. É uma criação de um dos directores mais lendários do cinema, mas uma simples dramatização de uma história antiga. Contudo, não significa que o filme não tenha qualidade, bem pelo contrário. Se Antonioni pretendia fazer um filme e brincar com a tecnologia de vídeo, então conseguiu fazê-lo na perfeição. Tecnicamente, conseguiu muitos truques para fotografia e edição mas o que impressiona mais é o uso de cores para acentuar o humor das suas personagens - um vermelho escuro quando a rainha narra a morte do marido, por exemplo, ou azul para conotar a chegada dos seus cortesãos.

Com mais de 30 filmes realizados, Michelangelo Antonioni para além de ter ganho vários prémios contribuiu para o mundo cinematográfico na medida em que utilizou a cor como um meio “poético e narrativo”. A televisão a cores veio inovar e criar no espectador, possuidor do pequeno ecran a preto e branco, a sensação de falta de alguma coisa.

INGMAN BERGMAN

(Upsala, 14 de Junho de 1918 – Faro, 30 de Julho de 2007)

Estudou na Universidade de Estocolmo, onde se interessou por teatro e, mais tarde, por cinema. Iniciou a sua carreira em 1941 ao escrever a peça teatral “Morte ao Kasper”.

A obra de Ingmar Bergman constitui um dos mais completos e essenciais capítulos da história do cinema. Como poucos, o director utilizou a linguagem para realizar um conjunto significativo que transcende a própria existência cinematográfica. Todos os seus trabalhos lidam geralmente com questões existenciais, como a mortalidade, a solidão e a fé e todas as suas influências provêm do teatro. Assim, o cineasta rompeu as fronteiras do cinema sueco e atingiu a universalidade.

Contudo, a relação de Bergman com o cinema antecede o seu trabalho enquanto profissional. Antes de se estrear no cinema, já tinha descoberto esse mundo como forma de expressão e até de sobrevivência. Na sua infância, Bergman trocou um exército de soldadinhos de chumbo pelo cinematógrafo do irmão.

Vítima de uma infância autoritária, baseada em conceitos relacionados com o pecado, confissão, castigo, perdão e indulgência, conta na sua autobiografia que sempre que tinha alguma atitude que não fosse correcta aos olhos do pai sofria castigos constragedores, como ficar trancado num armário. É então, neste período, que vivencia sentimentos como vergonha ou humilhação, tão explorados nos seus filmes.

A obra bergmaniana é muito complicada de se analisar. É quase um mar cheio de significados que são deslumbrados através de um apuro técnico singular. Bergman sabia fazer quase tudo, o que era pouco comum naquela época. Ocupava-se da montagem e do acabamento do filme e sempre teve um senso muito crítico para a fotografia.

Durante toda a sua carreira, esteve à frente de mais de sessenta produções, incluindo longas, curtas e até mesmo trabalhos exclusivos para a televisão. A sua estreia no cinema foi como director do filme Crise (1946). Nesse período, Bergman foi influenciado pelo neo-realismo italiano, produzindo diversas obras ligadas a esse movimento.

Na década de 40, o cineasta pegou em temáticas mais peculiares, como o matrimónio, assunto de três dos seus filmes (Quando as mulheres esperam(1952),por exemplo). Ainda na década de 40, o cineasta comandou um dos seus maiores sucessos no cinema, O Sétimo Selo (1957), onde personificou a morte como uma habilidosa jogadora de xadrez. Com uma fotografia espectacular, o filme foi nomeado à Palma de Ouro e venceu o Prémio Especial do Júri no Festival de Veneza.

Nas décadas seguintes, Bergman aborda novamente a temática da morte, comanda a direcção de vários filmes e ganha vários prémios.

Entre os finais das décadas de 60 e 70, inicia um novo período na sua carreira, desta vez, marcado pela presença de mulheres como protagonistas. Nessa época dirigiu importantes trabalhos, como Persona (1966) que se irita tornar o marco dessa fase.

A carreira do cineasta culminou com o lançamento de Fanny e Alexander (1982) que trazia muito das experiências experimentadas por Bergman durante a sua infância e que marcou a sua despedida das telas do cinema. O filme rendeu-lhe vários prémios. Após o seu último trabalho, passou a dedicar-se ao teatro e à televisão, tendo escrito A Lanterna Mágica, a sua autobriografia.

Uma das características técnincas presente nos seus filmes é o trabalho com a luz. É impossível negar que Bergman se tornou um poeta dos tons densos, das milimétricas escolhas de luminosidade dos cenários. Bergman demonstrou possuir um estilo único, peculiar, que o tornou conhecido como um dos cineastas mais “sombrios” de todos os tempos.

O cinema de Bergman vai muito além da simples diversão ou deleite, ele desperta reflexões sobre a vida, suas representações e o próprio homem. Além de dirigir, escreveu praticamente todos os seus roteiros. Era um cineasta independente, mas que ainda assim valorizava muito o trabalho daqueles que o rodeavam. Eram os actores quem fazia os filmes de Bergman, eram eles quem dava vida a seus filmes e podemos dizer que eram as suas feições a razão dos seus filmes. Assim, Bergman trabalhou com uma equipa que praticamente não se alterou, imortalizando o nome de alguns dos seus elementos. Sem eles, não existiria uma obra feita à base de rostos, gritos, silêncios e sussuros.

Apesar da fama mundial, Bergman não usufui do mesmo prestígio na terra natal, a Suécia. Acusado de burlar o fisco, em meados da década de 70, caiu em desgraça. Desde então vive recluso na ilha de Faro, de onde só sai para encenar as suas peças teatrais ou realizar especiais para a televisão.

Considerado um dos pioneiros do cinema moderno, Bergman foi, com certeza, um dos maiores mestres da sétima arte, não apenas pela excepcional direcção dos seus filmes, mas por criar, em cada um deles, uma verdadeira fusão de sentimentos, considerados muitas vezes, como pura poesia. Por todo o seu contributo ao mundo cinematográfico, os seus muitos prémios incluíram o prémio mais importante de Berlinale, o Urso de Ouro em 1958 por Morangos Silvestres.