(Roma, 8 de Maio de 1906 – Roma, 3 de Junho de 1977)
Nascido numa família rica, interessou-se pelo cinema por influência do avô, proprietário de uma cada de espectáculos.
Durante o fascismo ingressou na indústria cinematográfica italiana como assistente de direcção. Trabalhou como supervisor de alguns filmes, entre eles L’Invasore e Benito Mussolini. Mas o seu grande momento veio no final da segunda Guerra Mundial quando produziu Roma, città aperta (1945) e Germania anno zero (1947), tornando-se um dos principais expoentes do neo-realismo do cinema italiano.
Aos 57 anos, o cineasta tomou a decisão de deixar o cinema e dedicar-se a experimentar as possibilidades educativas da televisão. Queria configurar uma ampla enciclopédia televisiva como ferramenta educacional a partir da imagem.
Rosselini anunciou as suas intenções num evento organizado pela revista Filmcritica, numa livraria em Roma. O seu comunicado pode considerar-se como o ponto de partida de uma interessante investigação metodológica que repensa alguns fundamentos da linguagem cinematográfica tradicional.
Na sua opinião a crise que se atravessava naquele momento não era apenas a crise cinematográfica mas também a crise cultural. O cinema, como meio de difusão, teve o mérito de tornar aquela crise palpável e torná-la evidente. Assim, Rosselini decidiu retirar-se da profissão, repensar tudo desde o inicio e recomeçar novamente, a partir de bases completamente novas.
Quando a cultura de imagem foi completamente desenvolvida, Rosselini questiona as suas próprias raízes e abriu caminho para um interessante reflexão sobre a natureza ontológica do cinema, onde questionava o porquê do cinema articular os seus esforços em relação ao espectáculo e não ao conhecimento humano.
O cinema tinha entrado num periodo de crise com base na crise cultural e toda esta crise era consequência da crise da arte. Rosselini considerava a arte como a expressão mais elevada de uma civilização, o factor que permitia aproximar-se com mais exactidão do Homem e do mundo. Assim, baseando-se em Leon Battista Alberti, que procurava uma relação clara entre a arte e a ciência, Rosselini reivindicou uma utilização racional da arte.
O cineasta acreditava que o cinema estava destinado a tornar-se a arte do nosso século. Por muitos anos a função do cinema tinha sido actuar como instrumento publicitário e veiculo de divulgação social numa sociedade de consumo.
Ainda no comunicado feito na livraria de Roma, Rosselini afirmou que nenhum filme ou obra literária levanta as questões que preocupam de maneira concreta a nova humanidade, razão pela qual não se conseguiu encontrar um novo sentido dramático.
Trinta anos após a saída do cineasta do cinema, a sua teoria ganha uma importância incomum uma vez que questiona os mecanismos que regem a cultura da imagem e serve de alternativa à poluição visual que nos invade. Rosselini, com as suas obras didácticas (9 produções televisivas e 2 cinematográficas) e os seus textos teóricos, sugere um retorno à inocência.
A câmara cinematográfica deve observar as coisas do mundo real tal como uma criança observa a realidade do seu ambiente. Por exemplo, quando uma criança olha para um objecto tem implicita a pergunta sobre o porquê das coisas, ou seja, tem a preocupação de conhecer. O cinema foi criado também como instrumento para conhecer/compreender o mundo.
Para Rosselini, mostrar significava reconstruir o tempo necessário dos acontecimentos para descobrir a sua verdadeira razão. O filme convertia-se, desta forma, numa extensão do olho, um convite para além da realidade material exterior. Por outras palavras, o cineastra mostrava, não demonstrava. Este facto e a sua concepção da realidade como uma união entre a realidade exterior e a realidade dentro de uma natureza espiritual, provocou criticas de alguns sectores que viram os seus filmes como uma traição às bases do neo-realismo e como forma de escapismo.
Após ter recebido ataques fortes e não ser compreendido pela critica italiana, Rosselini aplicou a sua teoria da visão no seu projecto cinematográfico. A finalidade dos seus trabalhos era informar a partir de novas abordagens do olhar. O seu objectivo era encontra o que é denomidado como “imagem essencial”. Uma imagem que contenha todos os elementos informativos básicos para a compreensão do tempo (histórico ou contemporâneo) visto sempre no presente. Na rodagem do filme India (1958) esta ideia está bastante presente e Rosselini afirma que a ideia é mais importante que as imagens. Assim, o cinema devia ser um veículo para comunicar ideias e as imagens deveriam pôr-se ao serviço desta, e nunca da estética.
A sua reflexão sobre o poder das imagens como meio de transmitir ideias levou-o a abandonar qualquer posição estética e abriu um campo de pesquisa no sentido de uma concepção radical da imagem como ferramente de informação. No cinema didáctico de Rosselini, o conhecimento não é um objecto, mas um processo, é necessário restaurar todos os seus significados. O caminho marcado por esse processo e conhecer a tensão real com a ilusão do saber, são os dois factores que permitem que o cinema didáctico de Rosselini avance.
As reflexões que o cineasta fez sobre o valor informativo das imagens coincidiu com o momento em que a televisão de impulsionou massivamente em Itália. Este meio de comunicação apareceu no país em 1953 e em 1963 já se tinha imposto em cinco milhões de famílias. Rosselini acreditava que o dever moral de uma televisão estatal era a promoção da cultura e da educação. Assim, a televisão foi o meio ideal para o cineasta desenvolver a sua teoria da aprendizagem, pois permitiu uma maior flexibilidade nos planos de produção e teve um maior impacto sobre o público do cinema.
O método de trabalho de Rosselini foi sempre muito prático: alguns dias de filmagens, pouca montagem e um controle detalhado dos custos desnecessários. A sua grande preocupação era a preparação do produto e esta representava um enorme esforço de documentação bibliográfica. A narração dos seus filmes partiu sempre da destruição de todo o sistema tradicional de dramaturgia; as personagens e os acontecimentos históricos serviam para elaborar um texto feito à medida da realidade; a narração ajustava-se ao fluxo desta realidade. A vida era vista como uma longa espera por uma revelação – um acontecimento importante para um ser humano ou divino – que mudou o destino das personagens. Mas a revelação só podia ser produzida com a mesma intensidade que ocorrem os pequenos acontecimentos que marcam a longa espera da vida quotidiana.
Durante as filmagens, o elemento-chave foi a encenação. A câmara foi usada como um microscópio que tinha que procurar a verdade oculta no interior das personagens. O trabalho da câmara era bastante funcional, servindo os elementos de informação envolvidos na encenação. Para compreender a realidade, sem qualquer forma de manipulação da montagem, inventou um sistema de zoom denominado pancinor. Rosselini acreditava na existência de um ritmo natural de cada cena e opôs-se a qualquer sistema de manipulação a partir da montagem. Os actores que trabalhavam nos seus filmes não eram profissionais e foram escolhidos pelo seu aspecto físico, factor que o cineasta considerava básico para definir a psicologia das suas personagens. Um dos seus colaboradores considerava-lo uma reformulação dos padrões tradicionais de produção.
Tanto os numerosos escritos teóricos como todas as suas películas didácticas têm implicita uma interessante reflexão sobre os perigos de adulteração da imagem actual. Os principais aspectos desta reflexão são, de certo modo, a previsão do disturbio que vivemos no nosso presente audiovisual. Roberto Rosselini foi assim um grande contributo no mundo cinematográfico.